(Publicado originalmente Seg, 15 de Dezembro de 2008 14:51)
Artigo de FC Leite Filho
04/12/06 – 17:33 hs. – A vitória abrumadora (para usar um termo típico espanhol) de Hugo Chávez, na Venezuela, no domingo, 03/12/06, leva necessariamente à reflexão sobre nossos velhos sonhos de integração latinoamericana. Desde Simón Bolivar, San Marti, Tiradentes e Frei Caneca que tentamos sem sucesso desatrelar nosso destino das grandes potências, promovendo o nosso próprio desenvolvimento.
A imolação e o descrédito destes heróis não impediram que a bandeira continuasse a empolgar grandes lideranças de lá para cá. Nos últimos 50 anos, Juan Domingo Perón, na Argentina; Getúlio Vargas e Leonel Brizola, no Brasil; Fidel Castro e Che Guevara, em Cuba, tentaram, cada um a seu modo, levantar, inclusive com armas, os sentimentos libertários do continente mas trombaram diante do aparato descomunal das potências imperiais, agora detentoras de uma arma que se revelou a mais mortífera e eficaz que todas as outras: a mídia e o chamado pensamento único.
Vargas e Brizola, provavelmente por questões táticas, restringiram sua atuação ao Brasil, ainda que tivessem imprimido forte corte autonomista. Já Perón, Fidel e o Che aventuraram-se a atrair os países vizinhos, chegando a arrebatar quase toda a juventude e amplos setores progressitas do hemisfério , com a sua retórica e seu heroismo. Como seus antecessores, eles também foram derrotados na busca do desatrelamento.
Agora, como quase do nada, surge Hugo Chàvez, tenente-coronel pára-quedista de um pequeno país, a Venezuela, com algo aparentemente mais efetivo em termos de doutrinação e articulação: os petrodólares, uma estratégia geopolítica que transcende o hemisfério e uma extraordinária resistência.
Perón era general-de-exército, político de grande visão e conduzia uma das grandes potências da América Latina. Mas não dispunha de outros atrativos mais convincentes, além de uma doutrina e uma palavra incandescente, para conquistar os corações e mentes de seus países-hermanos.
Fidel Castro e o Che, com toda sua aura de heróis, por terem vencido os pro-homens de Washington quase nas barbas de Miami, tentou um movimento bem estruturado de insurgência em alguns países,´como a Venezuela, a Nicarágua, Colômbia, Argentina, Uruguai e mesmo o Brasil, através do projeto de guerrilhas de Leonel Brizola, também empacaram diante das forças do colosso do Norte.
Outro eixo – É verdade que os cubanos, com a barba e todo o romantismo de luta entusiasmaram grandes contingentes da juventude e das correntes de vanguarda, a ponto de pegarem em armas e enfrentarem os exércitos de seus países. Mas foram desbaratados pela onda de ditaduras que se estabeleceu em grande parte do hemisfério, seguida da vaga neoliberal que ainda tutela diversos governos, inclusive o nosso.
Hugo Chàvez parece ser diferente, por causa de uma tática mais sub-reptícia e capciosa. Apesar de definir-se como socialista, o tenente-coronel não partiu para o confronto com os mercados. Ao contrário de Fidel, que nacionalizou as companhias americanas e os meios de produção, Chàvez preferiu fazer um jogo de convivência com os representantes do capital. Não nacionalizou nada, não declarou a moratória da dívida externa. Pelo contrário, está pagando as contas do país, estritamente em dia, e seguindo um manual do FMI com tal zelo que a Bolsa da Venezuela está experimentando os maiores lucros de sua história, nos últimos dias.
Agindo pela tangente, ele primeiro tratou de sanear algumas áreas estratégias, como a PDVSA, a Petrobrás de lá, quando demitiu cerca de 18 mil funcionários grevistas que pretendiam apeá-lo do poder, e efetuou uma varrição funda nas forças armadas, com a reforma de mais de 300 altos oficais. Por último, mas não menos importante, ele assumiu diretamente o controle do câmbio, com o que sufocou os empresários que, em dezembro de 2002 e janeiro de 2003, tentaram derrubá-lo, à la Allende, com um lockout nacional (greve conduzida pelos patrões) gigantesco de quase dois meses.
Paralelamente, usou os lucros do petróleo e o próprio ouro negro para influir na política de seus vizinhos, com o objetivo de atrraí-los para a sua missão bolivariana de fortalecer a América Latina para que ela, deixando de ser dominada, passasse a negociar de igual para igual com os Estados Unidos e as outras potências.
Neste diapasão, comprou três bilhões de dólares em títulos podres da Argentina, mandou médicos e professores (agora que a Venezuela foi declarada pela Unesco território livre do analfabetismo, depois de uma campanha de cerca de três anos de seu governo) e muito petróleo e ajuda financeira para Nicarágua, Equador, Bolívia.
Mas Chàvez não fica por aí, sua visão estratégica, que formou desde os estudos de cabeceira de Napoleão, Clausewitz e Mao Tse Tung, quando ainda era jovem oficial, o lançou para operações mais refinadas de geopolítica, o que não fez Perón (Fidel o fêz mas de maneira mais romântica, com suas missões humanitáriasna África e Ásia). Nos últimos dois anos, ele foi quatro vezes ao Irã, cinco à Rússia, três Bielorússia e quatro a Catar e à China, sem falar nas suas andanças constantes pela Europa e África.
Chávez parece convencido de que, sem a retaguarda destes países candidatos a potência, ele não conseguirá, como ocorreu com seus predecessores, inclusive o guru Bolívar, realizar o sonho da integração latinoamericana e isto se não sofrer uma invasão dos marines na costa venezuelana, ainda que, para tanto, como diz, está se armando até os dentes.
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