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Crítica do filme “O segredo Dos Seus Olhos”

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(Publicado originalmente em Qua, 03 de Março de 2010 15:45)

Por Reynaldo Domingos Ferreira

Veja aqui o trailer.

 Em O Segredo Dos Seus Olhos, o cineasta argentino Juan José Campanella realiza um thriller policial de conotação política para traçar um instigante e, às vezes, comovente paralelo entre duas histórias de amor que, por não se concretizarem – eis o segredo -, resistiram ao tempo. Tudo é narrado em duas épocas, com interregno de mais de vinte anos.

 Com base no livro La Pregunta de Sus Ojos, de Eduardo Sacheri, Campanella escreveu um roteiro cheio de nuances características do gênero noir : um crime bárbaro e misterioso; um funcionário da justiça pouco habilitado para exercer a função inquisitiva, que age em companhia de outros colegas mais estouvados ainda, e muitas investigações atrapalhadas, geradoras de conflitos paralelos. 

 O protagonista é um promotor público, recém-aposentado, Benjamin Espósito (Ricardo Darín).  Ele decide escrever um romance sobre um caso criminal que, em atividade, não conseguira desvendar, o qual, por isso, lhe pesa na consciência. Mas essa decisão é também providencial para ele voltar ao Tribunal a fim de rever amigos e de reencontrar a sua ex-chefe, Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil), inspiradora dos seus sonhos.

 Tem-se, portanto, duas continuidades paralelas – muito usadas no neorrealismo italiano -,  uma no presente e outra no passado. Elas se entrelaçam na afetividade atual dos protagonistas. O homicídio ocorrera em 1974.  A Argentina entrava num clima de violência política. Naquela circunstância, os promotores sofreram pressão para não dar prosseguimento às investigações. O suspeito, Isidoro Gómez (Javier Godino),  operário, vindo, para Buenos Aires, do interior, onde conhecera a vítima Liliana Coloto (Carla Quevedo), tornara-se, de repente, um elemento protegido dos setores repressivos do governo.

 No seu desígnio de reconstituir os fatos para narrá-los no romance, Espósito vai se certificando dos seus próprios erros, que causaram a morte de colegas, e das limitações que às vezes lhe impunha Irene:  Eu não estou aqui para fazer a justiça, mas uma justiça! – ela lhe dizia com o intuito de aplacar nele o ímpeto de querer esclarecer a ferro e fogo a questão. Ele, ao mesmo tempo –  pela soberba interpretação de Darín – , se sentia fraco e acovardado diante dela por quem estava apaixonado, mas nem coragem tinha para desfrutar esse amor.
 
Enquanto tudo isso ocorria, Espósito se indagava sobre o destino de Ricardo Morales (Pablo Rago), marido de Liliana, que vivera tão pouco tempo com ela.  Que destino  ele tomara depois de tantos anos?  Como estaria? O que fizera para preencher o vazio que lhe deixara na vida a mulher que amava? É na busca de esclarecimentos para  essas indagações que o escritor vai encontrar uma revelação, que lhe será de extrema utilidade para mudar  sua maneira de encarar o futuro.

 Se o argumento não resiste a uma análise crítica, a direção de Campanella lhe supre as deficiências ao lhe impor envolvente narrativa, que conquista de pronto o espectador. Ela é rica, por exemplo, na técnica do uso do flashback, e eficiente no emprego de outros recursos de linguagem cinematográfica, especialmente na formulação de planos sequências magistrais. Observe-se o que se realiza durante uma partida noturna de futebol no campo do Racing, tomado inicialmente do alto, e que se fecha depois na identificação, no meio da platéia, do provável assassino de Liliana. A cena mais bonita, porém, é a que ocorre entre as plataformas de uma estação de trem, uma evidente citação do clássico Quando a mulher erra, de Vittorio de Sica, sublinhada por  magnífico comentário musical de Federico Jusid e Emilio Kauderer.
 
 Ricardo Darín é parceiro constante de Campanella em todos os seus belos filmes, como O Filho da Noiva. Mas, nesse, em especial, o ator teve oportunidade de realizar um primoroso trabalho de composição, para demonstrar, com acuidade técnica, que, na essência, por mais que se passem os anos, o homem permanece o mesmo. O seu Espósito se avançou em idade e ganhou cabelos grisalhos, continua um burocrata, cauteloso, hesitante, deixando que Irene lhe tome a dianteira em todas as questões. Soledad Villamil, que já atuou com Darín, também sob a direção de Campanella, em O Mesmo Amor, a Mesma Chuva, além de ser muito bonita, tem igualmente, uma atuação brilhante.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
 
FICHA TÉCNICA
O SEGREDO DOS SEUS OLHOS
EL SECRETO DE SUS OJOS
Argentina/Espanha
Duração – 127 minutos
Direção – Juan José Campanella
Roteiro – Juan José Campanella com base no livro La Pregunta de Sus Ojos, de Eduardo Sacheri
Produção – Juan José Campanella, Gerado Herrero, Mariela Besuievski., Vanessa Ragoni
Fotografia – Félix Monti
Trilha Sonora – Federico Jusid e Emilio Kauderer
Edição – Juan José Campanella
 Elen co – Ricardo Darín (Benjamin Espósito), Soledad Villamil (Irene Menéndez Hastings), Guillermo Francella (Sandoval), Javier Godino (Isidoro Gómez), Carla Quevedo (Liliana Coloto), Pablo Rago (Ricardo Morales).

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