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Crítica do filme “A fita branca”

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(Publicado originalmente em Qui, 25 de Fevereiro de 2010 13:15)

Por Reynaldo Domingos Ferreira

Veja aqui o trailer.

Numa comunidade rural protestante da Alemanha, em tempos anteriores à  I Guerra Mundial (1913 / 1914), uma sucessão de fatos estranhos começa a ocorrer, criando, entre seus integrantes, um clima de suspeita, de opressão e de medo. É esse o tema exposto, com rigor técnico, pelo cineasta austríaco Michael Haneke, em A Fita Branca, ganhador da Palma de Ouro do último Festival de Cannes.

Uma das inegáveis qualidades do filme é a fotografia, em preto e branco, de Christian Berger. Além da plasticidade, ela propicia atmosfera à narrativa de perfeita identificação à dos clássicos alemães e suecos da época em que transcorre a ação, de muito puritanismo. O roteiro do próprio Haneke – que foi assistente de Jean-Claude Carrière – parece, entretanto, dispersivo, particularmente na fase de apresentação das personagens, isto é, dos núcleos familiares envolvidos na questão.

Tudo é narrado, alguns anos depois, por um professor (Christian Friedel), que ali chegara, na ocasião, para prestar serviços à comunidade na única escola do vilarejo. O médico do lugar (Rainer Bock) sofrera atentado, em consequência do qual se ferira ao cair do cavalo, interditado em sua marcha de regresso a casa por um fio metálico esticado de propósito, por não se sabe quem, entre duas árvores.

Quase simultaneamente, morrera a mulher de um agricultor que, enquanto trabalhava, despencara do alçapão de um paiol. E um menino, sofredor da síndrome de Down, filho do médico com a sua amante, uma enfermeira (Susanne Lothar), ficara cego depois de ser atingido na cabeça por misteriosos assaltantes. A par disso, também, toda a plantação de repolho do Barão (Ulrich Tukur), o homem mais poderoso da aldeia, fora destruída.

Quando se inicia a película, reina, portanto, no povoado, um clima de tensão, por si só gerador de violência, principalmente contra menores, os mais indefesos. É sobre esse pressuposto que Haneke planta a argumentação política do filme, cujo subtítulo é: Uma História Alemã Sobre Crianças. A seu ver, as de então, oprimidas pelo medo, constituiriam a geração que, anos mais tarde, aprovaria as atrocidades perpetradas por Hitler não só na Alemanha, mas em toda a Europa.

Assim, seguindo a linhagem de uma peça de natureza investigativa ou policial sobre as raízes do mal, Haneke dá nome a todas as personagens infantis – Klara (Maria Victoria Dragus), Martin (Leonard Proxouf) -, enquanto trata os adultos, verdugos, por sua denominação profissional: o Barão, a Baronesa (Ursina Lardi), o Pastor (Burghart Klaussner), o Diretor da Escola (Josef Bierblichler), etc. Com o regresso da Baronesa à localidade, após longo período de ausência, também entra em cena a sua ama, Eva (Leonie Benesch), uma garota ingênua, moradora de outro vilarejo, por quem se interessa o professor, que passa a cortejá-la.

Vale observar ainda que são apenas essas duas personagens – o professor e a sua namorada – as que se tornam por assim dizer mais acessíveis à simpatia do espectador, que se mantém um tanto distanciado (ou sem envolvimento) em relação à fria narrativa de Haneke que, embora de natureza técnica, não é enigmática, como a de Cachê, seu trabalho anterior. Pelo contrário, sua linguagem, nesse trabalho, é clara, objetiva, quase documental e sublinhada, de forma muito suave, pela música de J.S. Bach (Eine fest Burg ist unser Gott, da Cantata BWV 801). E ainda se tem, pelo comentário do narrador – que adverte, entretanto, sobre possíveis imprecisões de seu relato – uma gama de informações que certamente complementa o que mostram as imagens.

Haneke impõe também a tonalidade das interpretações, especialmente para os atores infantis, que apresentam atuações discretas, contidas, mas homogêneas, e sem qualquer deslize. É entre os adultos que se notam diferenciações, apesar de serem as personagens menos interessantes do que o drama, do qual se tornam cúmplices. Sob esse aspecto, destacam-se, sem dúvida, as atuações de Rainer Bock, como Doutor, de Susanne Lothar, como Enfermeira, e de Burghart Klaussner, como Pastor.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA

A FITA BRANCA

DAS WEISSE BAND

Alemanha, Austria, França, Itália / 2009

Duração – 144 minutos

Direção – Michael Hanecke

Roteiro – Michael Hanecke

Produção – Michael Katz

Música – J.S. Bach, Cantata BWV 801

Fotografia – Christian Berger

Edição – Monica Willi

Elenco – Rainer Bock (Doutor), Susanne Lothar (Enfermeira), Burghart Klaussner (Pastor), Christian Friedel (Professor), Leonie Benesch (Eva), Ulrich Tukur (Barão), Ursina Lardi (Baronesa), Maria Victoria Dragus (Kara), Leonard Proxouf (Martin)

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