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Crítica do filme “Abraços Partidos”

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(Publicado originalmente em Ter, 08 de Dezembro de 2009 21:33)

Por Reynaldo Domingos Ferreira

Veja aqui o trailer.

Ao que tudo indica, o mito que se criou em torno de Pedro Almodóvar começa a se erodir com Abraços Partidos, um barato melodrama com pretensão a se definir como cinema noir.  Nele, o cineasta espanhol, a despeito de fazer citações de outros diretores, como Rossellini, e desprovido de modéstia, presta a si mesmo homenagem via um remake de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, seu primeiro êxito no mercado internacional.

 Concebido por Almodóvar durante uma crise de enxaqueca – o que, em parte, se justifica -, o roteiro, de diálogos pobres e rasteiros, pretende tratar da questão do duplo, muito explorada, em melhores condições, no cinema e na literatura. Narra a história de um cineasta, Mateo Blanco (Lluís Holmar), que assumiu outra personalidade, a de Harry Caine, um roteirista. Isso ocorreu por ele haver ficado paralisado por uma cegueira acidental após se envolver com a atriz do filme que rodava, Lena (Penélope Cruz), casada com um economista, Ernesto Martel ( José Luis Gómez), também produtor da película.

 Ao início da ação, Harry Caine que, embora deficiente visual, é ainda, para as mulheres, um tipo atraente, está em casa, acompanhado de uma loira exuberante e bonita, Maribel (Marta Aledo), que o ajudou, assim, por acaso, a atravessar uma rua perto de onde ele mora, em Madri. Com voz adocicada, meio penumbrosa, perfeito galã de novela, ele lhe fala de sua vida de escritor, na qual, entretanto, ela, excitada, não se mostra nem um pouco interessada. Os dois vão então para a cama.

Mas a câmara de Almodóvar, operada pelo competente Rodrigo Prieto, nada mostra. Esmera-se, em vez disso, em passear pelas adjacências da cama e pelo cenário, que continua, como em outros filmes do realizador, muito carregado, constituído de objetos e de quadros de cores fortes, berrantes, nem sempre adequadas às vestimentas das personagens, focalizadas em primeiro plano. Isso não seria de todo ruim, se houvesse base para levar o espectador a supor que dessa profusão de formas e de cores, na ambientação, surgisse algum simbolismo, como ocorre, por exemplo, no clássico Deserto Rosso, de Antonioni. Mas, não. Tudo é gratuito. Ou de pura influência tropicalista.

 Maribel ainda está no banheiro quando entra no apartamento outra mulher, Judit Garcia (Blanca Portillo), de feição austera, que empresaria os roteiros de Caine, escritos em Braille. Ela o adverte sobre o perigo que representa, para ele, trazer ao apartamento pessoas desconhecidas que o ajudam na rua. Mas ele, é claro, não lhe dá atenção. Quando Maribel se vai, Judit lê para Caine notícia de jornal sobre o falecimento de Martel. Os dois, porém, nada esclarecem sobre as ligações que tiveram, no passado, com o economista. Caine prefere falar de um roteiro que quer escrever sobre um episódio pouco revelado da vida do dramaturgo Arthur Miller.

 Logo, entretanto, chega Diego (Tamar Novas), um jovem, filho de Judit, que ajuda Caine na digitação dos seus trabalhos literários. Depois que a mãe do rapaz se retira, ele sugere a Caine a escrever um roteiro sobre vampiros, recebendo dele boa aceitação por demonstrar talvez estar ciente – essa é a boa ilação a se tirar  da película –  de que a juventude de hoje, vazia de propósitos e de intenções, se mostra obcecada por dentes afiados, tingidos de muito sangue. Mas Diego, que trabalha à noite numa boate, vai ser também o elemento-chave de que se serve Almodóvar para estruturar a trama do filme. Ou melhor, é com base no acidente que acontece com a personagem, que Almodóvar vai  tecer uma verdadeira colcha de retalhos de alguns históricos episódios do cinema mundial.

 Então ele parece atirar para todos os lados para ver se acerta em algum alvo promissor. Fantasia, por exemplo, Penélope Cruz de Audrey Hepburn – com quem ela fica realmente parecida – para fazê-la atuar numa cena vivida, na realidade, por Gene Tierney, em Amar Foi Minha Ruína, de John M. Stahl.  Depois, obriga os amantes Mateo e Lena a ver, pela televisão, uma cena de Viagem à Itália, de Rossellini, em que Ingrid Bergman e George Sanders presenciam o momento em que são encontrados, nas escavações de Pompéia, os corpos de um homem e de uma mulher, juntos, eternizados pela lavra do Vesúvio. E, para encerrar, como já foi dito, realiza um remake de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos. Em outras palavras: Narciso não tem como deixar de se admirar, embevecido, na água espelhada da lagoa!…

FICHA TÉCNICA
ABRAÇOS PARTIDOS
LOS ABRAZOS ROTOS
Espanha/2009
Duração – 125 minutos
Direção – Pedro Almodóvar
Roteiro – Pedro Almodóvar
Produção – Esther Garcia
Fotografia – Ricardo Prieto
Música – Alberto Iglesias
Edição – José Salcedo
Elenco – Penélope Cruz (Lena), Lluís Holmar (Mateo/Harry Caine), José Luiz Gómez (Erneste Martel), Blanca Portillo (Judit Garcia), Tamar Novas (Diego), Marta Aledo (Maribel)

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