(Publicado originalmente em Qua, 20 de Janeiro de 2010 10:12)
Por Reynaldo Domingos Ferreira
Eu já ansiava, não nego, pela publicação de Soneto Antigo, de Anderson Braga Horta, que agora levei para ler durante uma viagem ao exterior. Sem que o autor soubesse, por coincidência, conheci o livro ainda no original e, confesso, me emocionei. Há nele não só a suntuosidade da forma, abeberada dos grandes sonetistas do idioma, como também e principalmente a elegância do estilo, típica do autor, para oferecer acuradas imagens da natureza, sua inesgotável fonte inspiradora.
O poeta faz, na verdade, um mural de sonetos, compostos ao longo do tempo, de matizes variados, por ele qualificados de solares, românticos, visionários, graves, gaios, de céu e inferno, e de oferta. A característica comum entre esses poemas é, a meu ver, além do conhecimento da natureza, a maneira como Braga Horta observa os modos de vida dos indivíduos e, às vezes, no seu caso particular, se tortura ou se incrimina ante o poder das mais secretas paixões.
Essas paixões, para ele, vêm dos tempos de infância que, segundo diz, em Obsessão, não sabe precisar quando se deram, mas que delas ainda guarda funda cicatriz. E acrescenta: – Ando perdido de incertezas… ando / que já nem sei se um dia fui feliz. Tanto assim que ele vai buscar, em Agosto, a imagem metafórica da atmosfera pesada pela flutuação do fumo das queimadas no campo para expressar o que se passa em seu interior: – Dentro de mim é sempre Agosto. Meu destino, / lavrador impiedoso, estrangulou-me o sonho. / Hoje, dessa ilusão, só resta uma fumaça…
Mas há de se ter também em vista na leitura da obra que, por ser todo poeta um fingidor, segundo a tão surrada conceituação de Fernando Pessoa, nem sempre se deve acolher o que ele diz como fato concreto, pois, como considera Braga Horta, falando de Álvares de Azevedo, no livro Criadores de Mantras, em poesia, se lida muito com meros ingredientes de fantasia. Em outras palavras, a dissimulação – que requer de quem a usa o saber dizer a verdade e o momento em que ela deve ser dita, de acordo com Francis Bacon – faz parte do jogo.
E no jogo poético de Braga Horta, principalmente no que ele perpetua nesses poemas que compõem Soneto Antigo, há de se notar um lirismo que, conforme admite, não está bem de acordo com os padrões atuais: – Para você não buscarei, querida, / sofisticadas fórmulas modernas. / O bronze antigo, a estrofe bem polida / dizem melhor das afeições eternas. Ou então: – Para pintar o nosso amor, amiga, / prescindirei do instrumental moderno. / Que um quadro assim, de um tema assim, eterno, / fica melhor numa moldura antiga
É essa uma atitude, como se há de convir, de libertação dos preconceitos vigentes em nosso meio que Braga Horta enfrenta, com autoridade, em defesa de sua poesia, em que, como reconhece, o espírito é soberano. Tratando de Castro Alves, também em Criadores de Mantras, ele aborda o tema: É verdade, sim, que todos os poemas estão no dicionário, mas no sentido de que lá estão os materiais do poema. Quem reúne os materiais, quem acasala os vocábulos – em corpo e alma, isto é, sem esquecer ou desprezar as suas cargas significativas e conotativas, às vezes dúbias, fugidias, conflituosas -, quem lhes infunde poesia, esse é o espírito.
E o espírito que orientou o criador desses esplêndidos sonetos dotou-o de luzes do infinito, pois a persistência com que ele fala daquilo que muitos acreditam ser a melhor coisa do mundo, o amor – do passado, do presente e do porvir – leva o leitor, inevitavelmente, a refletir sobre o tema da vida e da morte, como se estivesse lendo, na verdade, um ensaio filosófico. Sim!… Porque o sentido de esperança que o poeta transmite, em seus versos, não é encontradiço entre os que, como ele (ou, como nós), se adiantou em anos de existência e que, muitas vezes, enganosamente pensa (ou pensamos) que lhe restam, daqui por diante, apenas as lembranças do que foi na mocidade.
Assim, como a poesia está sempre acompanhada do prazer, segundo Shelley, o erotismo, a sensualidade, a volúpia infernal, os delíquios do gozo, os ais do prazer estão tão presentes nos sonetos de Braga Horta que, segundo ele confidencia, em Núpcias, os anjos, que vagueiam pelo azul do céu, e que certamente já leram seus versos, estão escandalizados: fitando na amplidão grandes olhos perplexos / feitos astros rolando os suores congelados. E ele, em Delírio, até suspeita possa haver, um dia, o acasalamento do céu com o mar: – O céu se abraça ao mar, num desespero. / E, pleno / de ternura incontida, entre as sombras me espalho, / à flor libando o aroma, e à atmosfera o veneno. Assim, é Soneto Antigo uma estupenda explosão de imaginação, num perfeito arranjo de palavras, para expressar o extraordinário amor do poeta pela vida.