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Crítica do filme “Fados”

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(Publicado originalmente em Sex, 30 de Outubro de 2009 12:16)

Por Reynaldo Domingos Ferreira

Veja aqui o trailer.

Os que sabem ou os que não sabem o que é o fado – canção portuguesa de caráter fatalista, originária, segundo se supõe, da modinha e do lundu brasileiros  –  se enfadam certamente com Fados, do cineasta espanhol Carlos Saura. Trata-se de uma sucessão de clippings, feitos de afogadilho com o objetivo de valorizar a “música do povo”, nos dizeres de Fernando Pessoa, a qual se pretendeu calar após a Revolução dos Cravos, no momento em que se discute, no âmbito da Unesco, sua candidatura a Patrimônio Imaterial da Humanidade.

 O filme é, na verdade, uma mistura mal-ajambrada de Portugal, Brasil e África, sem argumento, por não ser talvez conveniente, e, pior, sem fio condutor. Saura, realizador de, entre outras películas notáveis, Bodas de Sangre, baseada na peça de Federico Garcia Lorca, não teve, dessa vez, a prudência de elaborar um roteiro para expor o que pretendia como essencial: a origem do fado; a variada tipicidade que a música adotou ao longo do tempo e a homenagem a fadistas famosos.

 Tudo isso fica mais ou menos implícito nas imagens, captadas pelas câmaras de Eduardo Serra e de José Luis Lopez, que o realizador espanhol cria em estúdio, orientado naturalmente por um consultor musical – Rui Vieira Nery – e fazendo uso de painéis, de bastidores, de rotundas espelhadas, de iluminação de efeito, de luz de vela, de projeções e de coreografia, esta muito bisonha, para dar ambientação aos intérpretes dos variados tipos de fados.

 E eles são muitos, mas são poucos os que realmente se destacam: Mariza, por exemplo, cantando Meu Fado Meu e, no final, Ó Gente da Minha Terra; Ou Camané (Carlos Manoel Moutinho), em Quadras e em Sopra Demais o Vento; Ou ainda Cuca Roseta, no tradicional Rua do Capelão. Carlos do Carmo, um dos idealizadores do trabalho de Saura, que já não tem aquele timbre de voz de antanho, dá conta do recado quase satisfatoriamente ao interpretar Um Homem na Cidade e Fado da Saudade, que lhe valeu, por sinal, o prêmio Goya (2008), de Melhor Canção Original.

 A participação dos brasileiros – Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Toni Garrido –  é, por assim dizer, desastrosa. O primeiro, se insere de forma gratuita, forçada, fazendo alusão pouco convincente, no caso, à Revolução dos Cravos, para cantar o seu Fado Tropical, intercalado por um poema de Rui Guerra, dito por Carlos do Carmo; o segundo procura apoio num arriscado falsete para interpretar, em estilo dito como “pessoal”, Estranha Forma de Vida,  de Amália Rodrigues; e o terceiro, com sotaque urbano, carioca, naufraga feio na sua cantoria do lundu mineiro Menina, você que tem.

 Mas o mais lamentável, nessa obra de Saura –  complemento, segundo ele, da trilogia iniciada com Famenco e Tangos – é a parte das homenagens, que, na sua pobre mise-en-scène, não têm qualquer expressividade. E isso é o importante. Tanto assim que os muitos fadistas esquecidos ficaram, a meu ver, em melhor situação que os poucos lembrados. Amália Rodrigues – que está para Portugal como Edith Piaf  para a França – aparece numa breve imagem de arquivo, tomada durante um ensaio em que ela se mostra insegura, ainda na fase de preparo de uma canção, acertando o tom pela partitura. Ora, será que não haveria outra de suas impecáveis apresentações dentro e fora de Portugal?… Ou se deve atribuir isso ao desprezo que ainda se tem pela grande cantora no meio dos feitores da cultura portuguesa da atualidade?

 Convém destacar, entretanto, que, apesar dos senões por mim apontados, Fados, de Saura, conquistou, além do prêmio Goya destinado à Melhor Canção Original (2008), a Concha de Ouro do Festival de San Sebastian (2007). E ainda recebeu o prêmio de Melhor Documentário – que o filme evidentemente não chega a ser -, do Círculo de Escritores Cinematográficos de Madri (2008), bem como indicações nessa mesma categoria  e na de Melhor Fotografia tanto para o Goya, como para o Prêmio de Filmes Europeus…

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA
FADOS
Portugal/Espanha/ 2007
Duração – 85 minutos
Direção – Carlos Saura
Roteiro – Ivan Dias e Carlos Saura
Produção – Ivan Dias, Luis Galvão Teles e Antonio Saura
Fotografia – José Luis Lopez e Eduardo Serra
Consultor Musical – Rui Vieira Nery
Edição – Julia Juaniz
Elenco – Carlos do Carmo, Mariza, Cesária Évora, Argentina Santos, Chico Buarque de Holanda, Toni Garrido, Miguel Povedo, Ana Sofia Varela, Caetano Veloso, Lila  Downs, Camané, Cuca Roseta, Alfredo Marceneiro e outros.   

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