(Publicado originalmente em Dom, 18 de Outubro de 2009 09:23)
Por Reynaldo Domingos Ferreira
Steven Soderberg mostra, em O Desinformante, como um promissor executivo de uma grande empresa se degrada ao lançar mão da mentira em suas relações de trabalho, visando obter com isso ascensão profissional. Para tanto, ele usa linguagem de fina e perspicaz ironia, próxima à do humor negro, mas também de inegável cunho moral.
O roteiro, muito bem estruturado, de Scott Z. Burns, baseado no romance The Informant: A True Story, de Kurt Eichenwald, narra o caso de Mark Whitacre (Matt Damon), um contumaz mentiroso, mais tarde diagnosticado como bipolar, que acabou por promover, com sua astúcia, um dos maiores escândalos corporativos da história dos EUA.
Ao início do filme, Mark já é um dos vice-presidentes da Archer Daniels Midland (ADM), produtora de derivados do milho, quando lhe surge a ideia de formular denúncia de formação de cartel contra a multinacional a fim de dar curso ao seu mirabolante plano, exposto antes superficialmente à mulher Ginger ( Melanie Lynskey), de assumir a presidência da empresa.
Mostrando-se fortemente influenciável por apelos publicitários, por manchetes de jornais, por argumentos de bestsellers, como os de Michael Crichton, ou ainda por filmes, como A Firma, de Sidney Pollack (1993), Mark se julga mais esperto que todos os demais que o rodeiam.
Em vista disso, ele deseja iludir, com sua lábia e fama de jovem agradável, até mesmo os agentes do FBI, Brian Shepard (Scott Bakula) e Robert Herndon (Joel McHale), estes chamados pela ADM para investigar a procedência da denúncia, aos quais ele relata, a cada dia, fatos diferentes, que não se coadunam uns com os outros.
Ao espectador cabe naturalmente a tarefa de identificar a diferenciação que existe entre o que lhe é exposto, na tela, em imagens, e as sandices, as coisas absurdas, ditas por Mark, em off, como narrador. É praticando esse exercício de contraponto que Soderbergh impõe, com maestria, o tom de comédia de humor negro ao filme, auxiliado pelo adequado comentário musical de Marvin Hamlisch.
A direção do realizador de Traffic , responsável também pela fotografia, captada através da chamada câmara vermelha (Red Câmera), continua sendo sóbria. Mas, dessa vez, ele extrai bom efeito das desorientadas idas e vindas do protagonista, ora entrando, ora saindo do seu local de trabalho e portando sempre a pasta equipada – mostrada desde os créditos iniciais – para gravar conversas, durante as quais induz os seus interlocutores a dizer palavras, que, a seu conceito, são comprometedoras dentro do contexto por ele imaginado.
O trabalho de Soderbergh, que naufragou ao tentar abordar, com subterfúgios, o Diário de Uma Garota de Programa, se apóia muito também na soberba interpretação de Matt Damon, dando tudo de si à personagem que interpreta. O ator procura criar em si mesmo, até pela deformação física, a imagem de Mark Whitacre, que tem uma maneira própria de arranjar os cabelos, de sorrir, de contrair os músculos da face, de usar os olhos, as sobrancelhas e principalmente de caminhar. É explorando esse recurso, por repetidas vezes, como já o fizera em O Bom Pastor, de Robert de Niro, que Damon complementa de forma magistral o perfil do protagonista. Acompanham-no também em excelentes atuações Scott Bakula, como o agente Brian Shepard, do FBI, e Melanie Linskey, como a esposa Ginger, sempre concordante com todas as loucuras que lhe conta o marido.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
FICHA TÉCNICA
O DESINFORMANTE
THE INFORMANT
EUA/2009
Duração 109 minutos
Direção – Steven Soderbergh
Roteiro – Scott Z. Burns, baseado no livro The Informant: A True Story, de Kurt Eichenwald.
Produção – Kurt Eichenwald, Jennifer Fox, Gregory Jacobs
Fotografia – Steven Soderbergh
Música – Marvin Hamlisch
Edição – Stephen Mirrione
Elenco – Matt Damon (Mark Whitacre), Scott Bakula (Brian Shepard), Melanie Lynskey (Ginger Whitacre), Robert Herndon ( Joel McHale), Lucas McHugh Carroll (Alexander Whitacre), Eddie Jemison (Kirk Schmidt), Thomas Wilson (Mark Cheviron).