(Publicado originalmente em Seg, 26 de Outubro de 2009 19:56)
Por Reynaldo Domingos Ferreira
Escrita e dirigida por Rian Johnson, Vigaristas é uma comédia de linguagem sofisticada, também muito bem interpretada, que recorre a recursos surreais (nonsense) para narrar a história de dois irmãos tão afeitos ao sonho, à fantasia, que eles não aceitam, de forma alguma, permanecer no reduto estreito da vida real, pois desejam alargar seus horizontes à custa da mentira, dos golpes e das trapaças.
Não é à toa, portanto, que seus nomes – Stephen (Mark Ruffalo) e Bloom (Adrien Blody) – são alusões às personagens Stephen Dedalus e Leopold Bloom, do Ulisses, de James Joyce. E o da namorada do mais novo deles, Penélope (Rachel Weisz) é clara referência à Odisséia, de Homero.
Para expor o quase impossível esforço dos Irmãos Bloom de viver a ficção, pois não permitiam, desde crianças, que a verdade prevalecesse entre eles, Johnson se deixou influenciar, segundo esclarece, pela estética de Peter Bogdanovitch (Lua de Papel), de 1973, de Bernardo Bertolucci (O Conformista), de 1970 e de Federico Fellini (Oito e Meio), de 1963.
Como conclusão disso, o método expositivo de que ele se utiliza, sustentado, como na literatura, por um narrador (Ricky Jay), é quase linear, mas dinâmico. E é também elegante na medida em que sabe explorar, com bom gosto, as locações feitas em Montenegro, nos EUA, na Grécia, na Rússia, no México, e na praça, diante do conjunto arquitetônico do Castelo de Praga, na República Tcheca, onde ocorre uma das sequências mais vibrantes da película.
Acrescente-se a isso a observação de que a narrativa se apoia numa fotografia esmerada, de Steve Yedlin e principalmente na trilha sonora do musicista Nathan Johnson – primo do realizador do filme – que, além de compor temas para sublinhar o perfil psicológico de algumas personagens, como Penelope´s Theme, soube selecionar músicas de Bob Dylan (Tonight I´ll Be Staying Here With You), de Cat Stevens (Miles From Nowhere) e de Nino Rota (Gary Cooper, de Amarcord, de Fellini).
O resultado final do trabalho de Johnson, porém, não é de todo satisfatório. Primeiro, porque o roteiro é impreciso no trato de algumas situações e questões que levanta, como as insinuações relativas ao terrorismo e, segundo, porque, na mise-en-scène, ele tropeça na realização do flashback dos tempos infantis dos protagonistas e não explora, com mais fulgor, as diferenças que, ao longo do tempo, vão surgindo entre Bloom e Stephen.
Sob esse aspecto, entretanto, o trabalho exemplar dos atores Mark Ruffalo e Adrien Blody, como se há de reconhecer, complementa bastante o da direção. O Stephen, na pele de Ruffalo, é aquela figura de golpista obstinado e refinado, que, como observa Bloom, sabe colocar no papel, com a perfeição de um romancista russo, todos os detalhes, os pormenores, de um plano para tirar dinheiro dos incautos.
Portando quase sempre um provocativo chapéu negro na cabeça, Ruffalo usa bem o poder de sedução que Stephen exerce sobre o irmão para assoberbá-lo. Ou, melhor dizendo, para tiranizá-lo. Ele desafia Bloom: – Se o nosso plano é tirar dinheiro da Penélope, você não tem por que se apaixonar por ela!… Ouviu bem? Mas Bloom, pela atuação de Blody, é um indivíduo fragilizado, alquebrado, que já vem tentando, por algumas vezes, escapar das aventuras rocambolescas do irmão. Não aguenta mais viver de ficção. Da última vez, ele se isolou numa praia de Montenegro. Mas, quando menos esperava, lá estava Stephen à sua procura.
Rachel Weisz está também esplêndida como Penélope, a desmiolada ricaça de New Jersey, que, induzida pelos Bloom, e sem saber o que eles, na verdade, tramam contra ela, decide acompanhá-los num pretenso assalto ao museu de Praga. Na viagem, porém, ela se apaixona por Bloom. E na tentativa de ajudá-lo a se livrar das garras do irmão, ela afirma: – O pôr do sol é muito bonito, mas você deve se lembrar que depois dele vem a noite, que é escura e cheia de imprevistos!….
Rinko Kikuchi e Maximilian Schell dão vida às personagens mais misteriosas e enigmáticas, que se interpõem no mundo fictício em que vivem os Bloom: Bang Bang e Diamond Dog. Dentro das limitações das personagens – Bang Bang talvez fosse até desnecessária -, os intérpretes estão muito bem. Diamond Dog funciona como uma espécie de oráculo dos Irmãos Bloom que, após muitas andanças, se convencem de que o berço histórico, acolhedor de golpistas, vigaristas, contrabandistas, terroristas e outros “istas”, continua sendo o Brasil, como, aliás, deve ficar mais uma vez confirmado, nos próximos dias, pela Suprema Corte de Justiça. Por isso, na última sequência, Stephen aconselha a Bloom: – Se o seu destino é esse, vai para Helsinque e, de lá, voe direto para o Rio de Janeiro!…
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
FICHA TÉCNICA
VIGARISTAS
THE BROTHERS BLOOM
EUA/2009
Duração – 113 minutos
Direção – Rian Johnson
Roteiro – Rian Johnson
Produção – Wendy Japhet, Ram Bergman, James D. Stern
Fotografia – Steven Yedlin
Música Original – Nathan Johnson
Edição – Gabriel Wrye
Elenco – Mark Ruffalo (Stephen), Adrien Brody (Bloom), Rachel Weisz (Penélope), Rinko Kikuchi (Bang Bang), Maximilian Schell (Diamond Dog), Robbie Coltrane (Curador), Ricky Jay (Narrador).