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Nós aqui, nas eleições argentinas

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Por FC Leite Filho

(De Buenos Aires, 22 e 23/10/11) Chego à Argentina, quase dois anos depois de minha última vinda. O motorista já não xinga a presidenta de ladrona e o rádio do taxi não dedica todo o noticiário ao “enriquecimento ilícito” do casal presidencial (o marido e antecessor, Néstor, morreu há um ano). Na época, Cristina Fernández de Kirchner, patinava em 19% nas pesquisas, dado que me levou a uma primeira impressão de que a presidenta estava perdida.

Os taxistas argentinos, muitos deles ex-funcionários públicos demitidos pelo furor das privatizações da era Menem (ex-presidente Carlos Menem, 1989-1999) são muito sensíveis às versões do rádio, porque o escutam o dia inteiro nas corridas, e da TV, a que assistem quando descansam em casa. É impressionante, mas eles estão antenados nas notícias, ainda que estas venham de uma só fonte, os interesses midiáticos.

Mesmo assim, passados exatos um ano, 11 meses e 13 dias de minha última estada aqui, percebo que algo mudou – nos taxistas e na mídia. O motorista (é outro, evidentemente) que me leva do Aeroparque, o aeroporto localizado no centro da capital, ao hotel, já admite que os Kirchner melhoraram a situação depois que o país foi a knockout, em 2001/2002, quando cinco presidentes da República foram depostos por uma população indignada com os efeitos das privatizações. Uma massa incontrolável de desempregados, de pequenos comerciantes e poupadores invadiram as ruas do país, batendo caçarola, em protesto contra a política econômica ditada pelo FMI e o chamdo corralito, numa cena que recordava a revolução francesa.

O rádio, a TV e os jornais, por seu turno, observam surpreendente moderação no que toca a viúva-presidenta. As críticas e insinuações continuam, mas num tom mais ameno, quase amedrontado. Juro que esperava a divulgação de algum escândalo, como aquele da Erenice, que determinou a realização do segundo turno da eleição de Dilma Rousseff, no Brasil, em 2010, capaz de reverter o quadro favorável à presidenta. Nada. Está todo mundo conformado com o que se considera a inexorável reeleição de Cristina e da recuperação de sua maioria no Congresso.

A pesquisa mais recente da consultora Management & Fit dá à presidenta 54,3% dos votos. Os indecisos estão em segundo, com 14,3%. Logo atrás vêm o socialista Hermes Binner, com 11%, Rodríguez Saá (peronista dissidente) e Ricardo Alfonsín (UCR), ambos empatados com 5,5%.

Quem mais caiu foi o também peronista dissidente Eduardo Duhalde, ex-presidente, que indicou Néstor Kirchner como seu candidato, em 2002, com 4%. A conservadora Elisa Carrió, candidata com familiares na direção do Grupo Clarín, que chegara em segundo na primeira eleição de Cristina (2007), mal consegue 1% dos votos.

Este poder midiádico, tão acachapante no Brasil desses dias, só receia que uma reeleição abrumadora, entre 50% e 60%, possa estimular a presidenta a tentar uma reforma constitucional para buscar, a la Hugo Chávez, a reeleição indefinida (atualmente, só é permtida uma reeleição, como ocorre no Brasil).

O clima é de tal normalidade, que a manchete nos jornalões não é a eleição deste domingo, quando serão renovados os cargos de presidente e vice-presidente da República, da metade da Câmara dos Deputados (130 cadeiras), um terço do Senado (72), a governança de nove províncias (estados) e as intendências (prefeituras municipais). A grande manchete é a morte de Muamar Kadafi, da Líbia, cujo justiçamento, está sendo questionado, mesmo pela grande mídia, e relacionado à volta do nefando colonialismo.

A revista Notícias, uma espécie de Veja platense, publicou uma foto da presidenta Cristina com Kadafi, sob o título “o grande malentendido”. Na edição que circulou hoje, a revista dedica a capa “Aos negócios que Kirchner deixou” (veja foto) e um suplemento especial ao ex=presidente em que reproduz e comenta as 70 capas de ataques pessoais à sua administração. Notícias parece temerosa com o fortalecimento da viúva Cristina, ao prever um cataclisma econômico, que engolfaria o país e a presidenta.

Diz a revista, que teve sua circulação diminuída em mais da metade, pela reação do então presidente Néstor Kirchner, às suas críticas: “Seria pouco realista supor (…) que a Argentina possa sair ilesa de uma eventual implosão do euro, uma depressão nos Estados Unidos ou uma inflexão abrupta do Brasil e da tão poderosa China”.
Mesmo aí, Notícias reconhece que “o país conta com a vantagem de que, a partir dos anos 90, ninguém se animou a lhe emprestar dinheiro, e portanto, está acostumado ao isolamento fianceiro”. O Clarín, jornal do poderoso grupo de comunicação que faz figadal oposição ao governo, também tentou atingir Cristina com uma reportagem em página dupla, sob o título: “Os Kirchner controlam uma caixinha de 400 bilhões de dólares”. Um evidente exagero, e ninguém dá bola.

O argentino está mais interessado na preservação do emprego, no aumento real dos salários, nas melhorias da educação, que inclui a distribuição gratuita de três milhões de laptops para os alunos das escolas públicas, na universalização da bolsa alimentícia para as mães e no ritmo de construções, que faz incrementar o emprego e o consumo.

Outro motorista que me conduz ao centro de credenciamento de jornalistas no Hotel Intercontinental, onde se situa o comitê da candidata Cristina Kirchner, admite que o governo está indo bem, mas reclama que a inflação não lhe deixa poupar: “A gente tem de gastar tudo o que ganha, pois o dinheiro desaparece depois”.

Talvez seja este um dos calcanhares de aquiles do governo. A mídia diz que a inflação está na casa dos 25%, ainda que o INDEC, o IBGE argentino, a situe entre 10 e 12%. Mas esta só constitui 30% das preocupações da população, segundo as pesquisas, que situam em 20% aquelas relacionadas com a corrupção. O grande problema, de resto, universal, é com a insegurança, que chega a 70%.

“Integração, a nossa guerra”– A presidenta mantém-se discreta e, desde sexta-feira, recolheu-se com a família, em seu chalé, em Rio Gallegos, capital da gelada província de Santa Cruz, na Patagônia, onde deverá votar por volta do meio dia, na Escola Nossa Senhora de Fátima, debaixo de uma temperaratura de cinco graus centígrados, contra 13, em Buenos Aires. Embora procure distanciar-se dos temas polêmicos, Cristina não esqueceu de fazer o fecho final de seu discurso de encerramento de campanha, um apelo em favor da integração da América Latina:

“Uma das realizações mais importantes é precisamente a decisão definitiva de pertencer como pais a esta América do Sul e de tomar as decisões em conjunto com nossos vizinhos, companheiros e amigos da América do Sul. Esta é a nossa guerra. Este é o nosso país a que pertencemos. Somos gentes do Mercosul, somos gentes da Unasul (União Sul-americana de Nações, esta é a região rica em alimentos e água, nossos recursos naturais que vamos defender com toda a integração”.

Tirando os descontos, o fato é que a Argentina vive, sem muita euforia, um momento de tranquilidade econômica e social, com um crescimento econômico acima de oito por cento, bem à frente do Brasil. Os hotéis estão cheios, as lojas repletas. Na Calle Florida, o centro do turismo, não resisti a gravar um tango de rua, este sim, o tango autêntico, gratuito e gracioso, bem mais nartural que aqueles espetáculos noturnos industrializados, custando os olhos da cara. É assim que a Argentina dança o tango da crise que se vai (se não voltar outra vez) e confia na integração com os vizinhos, sempre recorrendo às suas origens populares, seja com Perón, Evitar, Néstor, Cristina…

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