Por FC Leite Filho
(De Buenos Aires) A presidenta da Argentina é um dos poucos chefes de estado a não comparecer ao beija-mão do presidente dos Estados Unidos, na Casa Branca. Os encontros que teve com Barak Obama ocorreram à margem do protocolo, em reuniões internacionais, uma em abril, num evento sobre energia nuclear, em Washington, e outra, agora em setembro, na ONU.
Um dia após a reeleição de Cristina, por 53,96% dos votos (o segundo candidato, Hermes Binner obteve 16,87%), Obama pediu, no que foi atendido, um novo encontro informal com a sobranceira governante, desta vez, em Cannes, na França, entre os dias 3 e 4 de novembro. Ambos lá estarão para participar da reunião de cúpula do G-20 (Grupo de 20 países com economias fortes, entre as quais também se encontram Brasil, México, Índia e Indonésia, ao lado das sete grandes), com o fim de adotar medidas visando coibir os efeitos da crise econômica mundial.
O anúncio de Obama ocorreu pouco depois de uma audiência na Casa Rosada, de Cristina com a embaixadora dos Estados Unidos, Vilma Martinez, acompanhada do diretor da NASA, Charles Bolden, que veio assinar um acordo de cooperação entre ambos os países na área espacial. No dia da reeleição, Obama já tinha transmitido os cumprimentos e o desejo de trabalhar para “fortalecer e aprofundar” as relações.
O curioso é que a presidenta recebia a embaixadora, nascida no México, após um ano de gelo, devido aos vazamentos, pelo Wikileaks, de informes confidenciais da intenção do governo Obama em conhecer detalhes da “saúde física e mental”da presidenta e do caráter de seu falecido marido e antecessor, Néstor Kirchner. O incidente provocou um pedido de desculpas por parte da secretária de Estado Hillary Clinton, mas a embaixadora ficou de castigo até ontem, neste encontro, que a julgar pela foto, pareceu cordial.
Mas as tensões entre os dois países vêm se acumulando ao longo do mandato de Obama. O antecessor de Vilma Socorro Martínez, Earl Antony Wayne, já tinha sido convocado à Casa Rosada para dar explicações sobre declarações do então recém nomeado diretor da CIA, Leo Panneta (ex-chefe de gabinete do presidente Bill Clinton), segundo quem a Argentina, juntamente com a Venezuela e o Equador estariam à beira do caos, em função da crise econômica. Panetta teve depois de se desdizer.
O atual presidente americano excluiu a Argentina, no giro que fez pelo Brasil, chile e El Salvador, no ano passado, numa inequívoca demonstração de que não lhe agradava as posições independentes da presidenta, sobretudo em matéria de política externa (leia-se fortes vínculos com a Venezuela de Hugo Chávez).
Mais recentemente, outro ato de autonomia argentino viria tensionar os laçoes desses dois países: o governo argentino apreendeu um avião do Pentágono, com carregamento de armas, numa operação espetacular, comandada pelo chanceler Timerman, na qual foram abertos códigos de segurança e malas militares. O fato irritou pessoalmente Barak Obama, que prometeu se queixar pessoalmente à presidenta. O carregamento foi devolvido depois de mais de seis meses de “exames”.
Fator dólar – O governo Cristina ainda está às voltas com fortes pressões de alta do dólar, desde o final da campanha, no que parece ser um ensaio de ataque especulativo nos moldes ocorridos na primeira eleição de Lula, no Brasil, em 2002, quando a moeda americana quase dobrou de cotação. A AFIP (Receita Federal) cercou as casas de câmbio e impôs severa fiscalização: para trocar a moeda, é exigido uma série de informações, inclusive de domicílio, além de documentos. A media parece estar dando certa, porque o dólar até aqui mantém-se relativamente estável, na casa dos 4,20 pesos pela moeda americana, ainda que haja indícios de evasão de divisas.
As pressões, contudo, não têm alterado o rumo de Cristina no projeto de nação autônoma, que inaugurou com Néstor, em 2003. Num ato público, em Lanus, Grande Buenos Aires, o primeiro depois da reeleição, ela reafirmou: “As urnas deste domingo nos disseram que este é o caminho que devemos seguir. E este é o caminho que vamos seguir”.
E definiu as eleições como “o mais maravilhoso ato da democracia”, enfatizando “Isto nos permite escolher quem nos governa e em que projeto de nação queremos viver”.