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A morte de um jornal

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Por Mino Carta (Do site da Carta Capital)

A morte de um jornal sempre é dolorosa para praticantes do jornalismo impresso, para profissionais da imprensa, usado o termo na sua acepção correta. Mais dolorosa para mim, que dirigi a equipe fundadora do Jornal da Tarde. O qual, aliás, teve este nome porque, em meio ao debate travado sob a batuta de Ruy Mesquita em busca do “cabeço” mais preciso para definir o vespertino do Estadão, arrisquei: “Que tal Jornal da Tarde?”

Memória. Capa da primeira edição do JT. Foto: Estadão Conteúdo

O projeto da casa era criar um diário capaz de atingir o público jovem, a se supor ainda não alcançado peloEstadão, e não hesito em sublinhar que minha presença à testa da redação foi decisiva. Não me refiro à minha competência: não passava de um aprendiz de 31 anos quando a equipe começou a ser formada em meados de 1965 para uma curta temporada de ensaios. Ocorre que a família Mesquita guardava de meu pai, Giannino, uma lembrança excepcionalmente saudosa. Já falecido à época, ele havia trabalhado no jornal por 17 anos e Ruy Mesquita o considerava seu mestre. A família Mesquita viu em mim um digno herdeiro daquele pai talentoso e leal e foi por isso, bem sei, que me conferiu uma autonomia de voo extraordinária.

Explica-se assim a revolução operada pelo JT no quinto andar do prédio da Rua Major Quedinho, o corte profundo nas tradições da casa, o sismo que eruptou do entusiasmo juvenil da equipe um pico ousado, de forma a conteúdos inesperados. Pudemos acreditar à vontade que o texto pode e deve ter qualidade literária e que as páginas de um jornal podem e devem ser esteticamente impecáveis. Os Mesquita em peso aprovavam sem titubear e sem se verem obrigados a recomendar a coincidência com a linha ideológica do Estadão. Ruy Mesquita, de resto, cuidava pessoalmente da página dos editoriais.

As visões da vida e do mundo dos proprietários não batiam com as minhas, mas estas eu soube guardá-las para mim. Creio não ter desmerecido a confiança da família, por ter trabalhado com lealdade e empenho. Contava com uma equipe excelente, de Murilo Felisberto, redator-chefe, profissional de gosto refinado, a Ulysses Alves de Souza, o “sargentão” dos repórteres, de Ivan Angelo a Sergio Pompeu, de Fernando Mitre a Rolf Kuntz, de Carmo Chagas a Tão Gomes Pinto, de Hamilton de Almeida a José Roberto Guzzo. E muitos outros.

Lançado com uma campanha que anunciava a sua saída para as 3 da tarde, o vespertino teve logo de recuar o fechamento para o meio-dia, em uma São Paulo de 3 milhões de habitantes, cujo centro fervia na hora do almoço, entregue à folga do pessoal dos escritórios. Algumas reportagens memoráveis, escritas com fervor, bom estilo e riqueza de informações produziram saltos progressivos na tiragem. De todo modo, o jornal atingiu seu ponto de fervura, na minha opinião, quando eu já o deixara, no começo de 1968, chamado pela Editora Abril para dirigir Veja. Enxergo a melhor fase entre 1969 e sua transformação em matutino em meados da década seguinte.

Mudança inevitável, imposta tanto pelo avanço tecnológico quanto pelo crescimento desvairado de São Paulo. Creio que naquele momento o JT perdeu bastante, de alguma forma a sua própria razão de ser. Toda a imprensa brasileira decaiu, mas a morte do jornal há de ser vista como consequência fatal da decadência do jornalismo impresso, cercado por forças novas, encaradas com perplexidade por este velho profissional, incapaz de imaginar o desfecho disso tudo.

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