Cristina viaja à noite para Cuba, antecipando em 3 dias participação na CELAC
Por FC Leite Filho
Tangidos pelos boatos da mídia, os anticastristas de Miami saíram às ruas em várias ocasiões. Dançavam, tocavam buzinas ensurdecedoras e soltavam foguetes pelo que seria a morte (política ou biológica) de Fidel Castro. Fizeram-no incontáveis vezes, como em 1989, com o desabamento da União Soviética; em 2004, com o tombo violento que o comandante sofreu ao descer de um palanque, e, em 2006, com a diverticulite que o obrigou a afastar-se das tarefas de governo.
Fidel, por seu lado, parecia divertir-se com as “inquietações” da mídia, recolhendo-se em longos e impenetráveis silêncios, para depois aparecer, belo e fagueiro, ainda que, ultimamente, arqueado pelo peso dos anos e de uma vida atribulada, a zombar dos catatrofistas e boateiros contumazes. Hugo Chávez foi outro perseguido até a morte pelo que chamava “esta máquina bestial”, mas ganhou 18 das 19 eleições depois de sua posse em 2000, inclusive duas depois de morto, além de designar um fiel escudeiro, Nicolás Maduro, como seu sucessor.
Lembro disso a propósito da reaparição na quarta-feira (22/01/14) de Cristina Kirchner, depois de 40 dias encafuada nos bastidores. Como Fidel, Cristina compraz-se em confundir os diabólicos inimigos que usam os meios de comunicação para, minuto a minuto, atazanar, desmoralizar, ridicularizar e desestabilizar seu governo. O brasileiro Leonel Brizola, outro alvo dessa força titânica, que a todos parece iludir e fascinar, dizia que às vezes é preciso submergir, quando menos para avaliar até onde vai o esbulho dos aparatos comunicacionais. Brizola também ganhou algumas da mídia, quando desbaratou um golpe empresarial militar, em 1961, construiu milhares de escolas fundou no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e o direito de resposta que ganhou no Jornal Nacional, da Globo.
Nestes 40 dias de afastamento dos holofotes, a presidenta da Argentina, que em outubro sofrera séria cirurgia no cérebro, foi dada como estando muito mal de saúde, a ponto de não mais poder continuar governando, ou que cogitava em renunciar. Declarava-se insistentemente o “vazio” ou o “abandono do poder”. O site do Clarín, a Globo de lá, trombeteava:
“Está isolada. Fechada em seu núcleo duro e irritada com o resto”. No seu silêncio, Cristina, entretanto, se deixava ver e fotografar, saindo e entrando da Casa Rosada, a sede do governo, sempre caminhando a passos lépidos e demonstrando vigor físico. Suas audiências e telefonemas frequentes aos ministros, auxiliares e chefes de Estado amigos, denotavam energia e envolvimento. Também tomava decisões importantes, como a reestatização das ferrovias, o que fez ainda no leito do hospital, em outubro, a reforma do ministério e a renovação das Forças Armadas, com a promoção de César Milani, um militar comprometido com seu projeto nacional, a quem designou como comandante.
Assim que quando reapareceu, em cadeia de televisão, no começo da noite desta quarta-feira, envergando um cintilante vestido branco com leves estampas cinzas, Cristina Fernández, como gosta de ser tratada com seu nome de solteira, mostrou que, não só estava bem de saúde e de espírito, como também era a líder inconteste de uma nação que tinha levantado das cinzas do abatimento e da prostração de 2001.
Com o anúncio de seu novo programa social, o Progressar (Progredir), que beneficia com uma bolsa mensal de 600 pesos, jovens desempregados e sem estudos, aqueles vulneráveis ao narcotráfico e à violência urbana, ela mostrou que tem poder de iniciativa e, se não é capaz de se reeleger, porque não alcançou a maioria de dois terços no Congresso na última eleição de outubro, ainda é a maior eleitora do país.
Com isso, ela pode eleger um sucessor de confiança, a la Chávez ou a la Putin, se quiserem. Será que vão adiantar as pesquisas fajutas, preparadas, ardilmemente, no torvelinho dos saques a lojas incentivados pela grande imprensa ou dos cortes de energia, provocados pela incúria das empresas de eletricidade, privatizadas com o aval e participação dos donos de jornais (não à toa que estão na mira de Cristina para também serem reestatizados, como as ferrovias e a YPF, a Petrobrás argentina). Estas pesquisas hoje projetam Cristina com 28% de popularidade, uma “queda” vertiginosa dos 50% que conservava mesmo depois da derrota eleitoral do ano passado, mas não tão pavorosas como aquelas da crise com os ruralistas, em 2008, quando “despencaram” para 19%, mas que não a impediram de reeleger-se em 2011, com 54% dos votos, bem distante do segundo colocado, o “socialista” Hermes Binner, com 17%.
A propósito de pesquisas, Cristina ironizou em sua fala, seguida de perto por um grupo de jovens de La Cámpora que se aglomeravam no Salão das Mulheres, onde pontifica Eva Perón e outras heroinas argentinas, além de outras como San Martin e Che Guevara:
“Quando eu falava muito (em cadeia nacional), as pesquisas diziam que eu devia falar menos. Se deixo de falar, querem que eu fale mais. Ou mentiam antes, ou mentiam agora, ou mentem sempre, que é o que eu acho.”
O Progresar, que vai se juntar ao Asignación Universal por Hijo (uma espécie bolsa família com base no número de filhos) e à bolsa para mulheres grávidas, deverá completar um dos maiores programas sociais já vistos na América Latina, assistindo aos necessitados desde o ventre da mãe até os 24 anos de idade.
Executados com acompanhamento rigoroso e sem influência política, com inscrições feitas pela internet (no primeiro dia, já havia mais de 15 mil completadas no www.progresar.anses.gov.ar), tais empreendimentos são taxados de proselitstas pelos adversários, devido a seu potencial de mobilização eleitoral, sobretudo entre os jovens, onde o kirchnerismo nada de braçada, desde que instituiu o voto para os menores de 16 anos (uma revindicação do agrupamento La Cámpora, liderda Máximo, filho de Cristina e de Néstor Kirchner).
No caso do Progresar, cada jovem terá que estar matriculado numa escola e só receberá o benefício se comprovar o vínculo escolar, de três em três meses. O programa assegura a matrícula em escolas públicas dos interessados, além de encaminhá-los para agências de emprego e cursos de formação profissional, já que vários ministérios e agências governamentais foram acionadas para implementá-lo.
Atrelada aos ditames neoliberais dos setores concentrados da economia que comandam a mídia, a oposição a Cristina por enquanto só se alimenta da fábrica de escândalos e dos espaços generosos nas grandes televisões, rádios e jornais. Suas bandeiras de rigor fiscal, combate à inflação,privatizações de empresas estatais e outras medidas de arrocho, que só geram desemprego, não conseguem empolgar as grandes massas, que sempre as associam com a crise da convertibilidade de 2001.
Nessa ocasião, o desemprego foi a 30%, 90% das indústrias sucateadas, as escolas abandonadas e os aposentados viviam em petição de miséria. No seu discurso de reaparição, Cristina lembrou que o desemprego hoje na Argentina está em 6,6%, só reincidente entre os jovens agora contemplados com o Progresar, onde a desocupação sobe a 18%, mesmo assim 4% abaixo da média europeia (na Espanha, França, Portugal, Itália e Grécia este percentual chega a 60%).
Cristina, que juntamente com Néstor, seu falecido marido e antecessor na Casa Rosada, reformaram 10 mil escolas, construiu duas mil novas, além de nove grandes universidades no vasto interior do país, antes apartado dos grandes centros de Buenos Aires, Córdoba e Mendoza, reequipou o parque industrial, inovou na ciência e tecnologia e deu laptops para 3,5 milhões de estudantes da escola pública. Cristina ainda se orgulha de ter proporcionado aos argentinos o maior salário mínimo do subcontinente, cm 600 dólares, quase o dobro do Brasil, e seguido pelo da Venezuela, de 420, e de, com a reestatização do fundo de pensões dos funcionários, ter recuperado as pensões dos aposentados, dando-lhe um reajuste semestral.
Ela enfatiza que nenhuma dessas realizações se deu “por casualidade ou por mágica”, foi fruto de um projeto nacional de desenvolvimento, que teve de conter as sangrias de divisas e a recuperação das empresas do governo, devastadas pela febre de privatizações e do cumprimento das receitas do FMI> Ao falar sobre os jovens a serem beneficiados pelo Progresar, sentenciou: “Estes meninos são filhos do neoliberalismo. São os filhos cujos pais não tinham trabalho ou o perderam, ou não foram educados na cultura do trabalho, e necessitam da presença do Estado para seguir adiante”.
Cuba, CELAC e Malvinas – Depois da reaparição, “reaparição?”, pergunta a presidenta, ao ironizar as manchetes dos jornais:”Acho que é um ato falho. O que é o contrário de reaparecer? Desaparecer, não?”, perguntou a Hebe de Bonafini e Estela de Carlotto, respectivamente mãe e avó da praça de Maio, sugerindo que o termo “desaparecer” remete à ditadura”, ela voltou à carga em suas “cascadas” no Twitter, onde costuma comentar os achincalhes da mídia e a responder aos adversários. Ela também fez anunciar que viaja esta noite (24/01/2014) para Havana, com três dias de antecedência, para particpar da Céupula da CELAC (Comunidade dos Estados Latinoa-mericanos e Caribenhos), organismo fundado por ela Hugo Chávez, Lula, Dilma, Fidel e Raul Castro, para cuidar dos interesses do continente, sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá/
Segundo os jornais, Cristina, que também participará com Dilma Rousseff da inauguração do Porto de Mariel, empreendimento financiado pelo Brasil, já tem um encontro marcado com o líder da revolução cubana Fidel Castro, inspirador, conselheiro e confidente dos presidentes progressistas, desde Hugo Chávez. Ela também estaria empenhada em obter uma posição mais firme da CELAC contra a ocupação das Ilhas Malvinas pela Inglaterra, que estaria se preparando para explorar petróleo nesta parte do território argentino no extremo Atlântico, arrebatado pelos piratas ingleses há mais de cem anos.