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Sochi, Ucrânia, Síria, Telegram: Putin não está prosa

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Obama, Hollande e Cameron esnobaram os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, abertos na sexta-feira. Não aceitam as atitudes de autonomia de Vladimir Putin, nem o ressurgimento da Rússia como superpotência. Pouco importa, porque Sochi já é um sucesso e os russos caminham céleres para deixar para trás a devastação neoliberal que se abateu sobre seu país depois do colapso soviético.

Da mesma forma, todo o aparato ocidental, com seus mamutes transnacionais e sua mídia protagônica não terão como esconder o espetáculo de arte, história, tecnologia, organização e segurança que vão garantir os volteios dos mais exímios atletas do mundo, distribuídos nos 99 países inscritos, inclusive norte-americanos e europeus.
Putin galgou igualmente a diplomacia, ao evitar, com propostas concretas de paz, a invasão militar da Síria pelos Estados Unidos e o levantamento de sanções contra o Irã, enquanto convencia a Ucrânia a rejeitar uma proposta de associação à União Europeia. Sua política de inteligência, ao que alegam, foi quem fez vazar o telefonema da sub-secretária de Estado com o embaixador americano em Kiev, revelando planos do domínio da Casa Branca sobre aquele sofrido país pegado à fronteira russa e um desprezo sobre os europeus.

A funcionária a estes se referiu com um muxoxo: “A UE (União Europeia) que se dane”. Finalmente, sai da nova Rússia a maior novidade tecnológica digital, com o lançamento do Telegram Messenger, o site de mensagens capaz de enfrentar ou superar o WhatsApp, o aplicativo ocidental preferido dos bilhões de portadores de celulares. Antes disso, o site de notícias rt.com já tinha batido a londrina BBC e as grandes redes de TV yankees no Youtube, onde conquistou mais de um bilhão de acessos.
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“Dane-se a União Europeia”, diz sub-secretária de Estado

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Convém, desse modo,lançar um olhar específico sobre o dono da festa, este tipo enigmático, que se chama Vladimir Vladimirovitch Putin. Suas características divergem do perfil dos estadistas tradicionais, mais afeitos à grande oratória ou às façanhas militares. O passado de ex-espião da KGB, com feitio introspectivo e disciplinado, foi confundido como um caráter dócil e de fácil manipulação e enquadramento. Afinal, tratava-se de um apadrinhado de Bóris Yeltsin, o ébrio presidente que sucumbiu ao encanto da privataria, logo depois de dar o golpe de misericórdia no colapso soviético, em 1989.
Habilidoso, Putin, quando chegou ao poder em 1999, soube credenciar-se junto à chamada comunidade internacional, o fechado grupo das grandes potências estadunidense e europeias, fazendo uma política de acomodação ao neolibralismo de seu antecessor, enquanto preparava as bases para uma arrancada nacionalista, que faz hoje de um país famélico da era yeltsiniana uma potência industrial, tecnológica e militar, à semelhança dos antigos rivais.
Putin não é tampouco  orador arrebatado, mas seu sarcasmo e ironia, além de um profundo conhecimento de história e da alma humana, tem esmagado muitas das críticas e insultos que lhe arremessam do Ocidente.
Mas é dotado de certo domínio da realidade. Em Lisboa, em 2007, já me dizia Hermano Alves, tarimbado correspondente internacional, falecido em 2010: “Ele (Putin) é um homem que anda a pé, às vezes, sozinho. Fez dois passeios por toda a Europa a pé, de motocicleta, de automóvel. Parou em botequins, comeu em restaurantes… Fez uma coisa extraordinária, que não vi nenhum desses líderes fazerem, a não ser, em certas épocas, como o velho De Gaulle”.
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Putin dá entrevista aos jornalistas da rt.com

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Wikipedia – Vejamos agora o que ele fez. As pessoas se sentem cheias de dedos em citar a Wikipedia, com o receio de parecerem piegas, mas este não é meu caso, sobretudo quando me deparo com dados bem fundamentados, como parece ser o caso. Por isso, vou citar alguns trechos do verbete sobre o atual presidente da Federação Russa:
“Sob a administração de Putin, a economia teve ganhos reais em uma média de 7% ao ano (2000: 10%, 2001: 5.1%, 2002: 4.7%, 2003: 7.3%, 2004: 7.2%, 2005: 6.4%, 2006: 8.2%, 2007: 8.5%)47 , fazendo da Rússia a 7ª maior economia mundial em poder de compra. O PIB nominal russo aumentou em seis vezes, subindo do 22º ao 10º maior do mundo. Em 2007, o PIB russo ultrapassou o da Rússia Soviética em 1990, provando que a economia foi capaz de superar os efeitos devastadores da recessão dos anos 1990, seguinda da trágica moratória de 1998.

“Durante os oito anos de Putin na presidência, a indústria cresceu em 76%, os investimentos aumentaram em 125%49 e a produção agrícola também aumentou. Lucros reais mais do que dobraram, e o salário mínimo mensal médio aumentou em sete vezes, de $80 (por volta de R$163) para $640 (por volta de R$1300)50 51 . De 2000 a 2006, o volume do crédito para consumo aumento em 45 vezes, e o número de cidadãos pertencentes à classe média cresceu de 8 milhões para 55 milhões. O número de pessoas vivendo à baixo da linha da pobreza diminui de 30% em 2000 para 14% em 2008.52
“Em 2001, Putin, que patrocinou políticas econômicas liberais, introduziu uma taxa única de imposto sobre a renda de 13%,53 e a taxa corporativa também foi reduzida de 35% para 24%.54 Pequenos negócios também receberam um melhor tratamento. O antigo sistema de altas taxas de impostos foi substituído por um novo sistema em que as companhias podem escolher entre uma taxa de 6% na receita bruta ou uma taxa de 15% nos lucros. A carga geral de impostos é menor na Rússia que na maioria dos países europeus, favorecendo com isso o capitalismo.55 56

“Um conceito central na linha econômica de Putin foi a criação dos “campeões nacionais”, que integravam companhias de setores estratégicos das quais não se espera somente a busca pelo lucro, mas também um “avanço nos intereses da nação”. Como exemplo dessas companhias, estão a Gazprom, a Rosneft e a Corporação de Aviação Unificada.57″

Política energética – Outra obra importante da administração Putin deriva de sua política energética. Segundo a mesma Wikipedia, Putin colaborou com a grande parcela russa no mercado europeu de energia através da construção de oleodutos e gasodutos subterrâneos cruzando a Ucrânia e a Europa oriental. Os projetos de canalização apoiados por Putin incluem o fluxo azul, que através do Mar Negro liga a Rússia à Turquia, o fluxo norte, que liga a Rússia à Alemanha, sendo o gasoduto mais longo do mundo, construído no Mar Báltico, e o fluxo sul, que liga a Rússia aos Balcãs e à Itália, cruzando o Mar Negro”.

Neste projeto autonômico, Putin bateria de frente com os americanos. Foi quando comprou o gás turcomeno e o desviou para os seus próprios gasodutos. Com isso, a Rússia acabou com o projeto Nabucco, apoiado pelos norte-americanos, que tinha por objetivo prejudicar o mercado energético da Rússia e acabar com a dependência européia do gás russo, construindo um gasoduto que levasse gás da Turquia para o restante da Europa.

“De qualquer forma, a Rússia diversificou seu mercado exportador construindo o oleoduto transiberiano, expandindo o mercado à China, Japão e Coreia, além de ter construído o gasoduto Sacalina-Khabarovsk-Vladivostok no extremo oriente. No Golfo da Finlândia, a Rússia construiu um canal em Ust-Luga, conectado com os sistemas de canais do Báltico, o que permite a exportação do petróleo sem a necessidade de trânsito através dos portos dos países bálticos. A porcentagem de petróleo processado cresce gradativamente com a construção de refinarias de petróleo no Tartaristão e em outras regiões da Rússia”.
Putin atacou com a construção de hidrelétricas, como a represa de Bureia e a represa do rio Angará, assim como a restauração da indústria nuclear russa, usando aproximadamente um trilhão de rublos (por volta de 86 bilhões de reais) do orçamento federal para o desenvolvimento da indústria nuclear anterior a 2015. Um grande número de estações nucleares estão sendo construídas, dentro e fora da Rússia, pela Rosatom, companhia estatal que controla a indústria atômica”.

Volto àquela entrevista com Hermano Alves, para citar outra sábia observação de nosso mestre em jornalismo:

“Hermano – A Rússia não está falando grosso. Está falando normalmente e fazendo grandes negócios com outros países, como a Turquia, a China, África, Oriente Médio, Índia e até a América do Sul. Você se recorda que uma das primeiras providências do Putin foi se aproximar da China e da Índia, depois da América do Sul e foi até os Estados Unidos. Então, ele andou, andou e andou para conversar com todos.
P – O que ele quer, afinal?
Hermano Alves – Ele quer acabar com aquela história do monstro comunista, stalinista e se integrar.
P – E também mostrar que a Rússia tem voz ativa e que não é uma subpotência..
Hermano Alves – O jogo dele me parece muito inteligente. Ele viaja, negocia com todo mundo.
P – Mas ele está reestatizando, já ocupou praticamente todos os meios de comunicação, as companhias de petróleo e está cortando ou restringindo o fornecimento de gás para suas ex-repúblicas rebeldes …
Hermano Alves – Mas isso, quem não faz? Os Estados Unidos têm em mãos todos os meios de comunicação? A Europa, também. Na verdade, a Rússia está penetrando muito para dentro dela. Ela agora está levando os gasodutos até a beira da China. Aí ele estabelece um vínculo de petróleo, de negociação. A Rússia e a China estão muito próximas agora. E isto abre caminho para o Japão, para a Índia.
P – É uma nova geopolítica.
Hermano Alves – Isso mesmo, eles são geopolíticos. Você vê o nosso caso, o Brasil, que é um país grande e muito importante para toda essa gente, e hoje em dia em dia está sendo cultivado pelos russos e outros protagonistas da cena mundial. Ora, isso irrita certos setores dos Estados Unidos e europeus, que ainda pensam que o Stalin está vivo. Mas não é assim. A coisa mudou e mudou muito. A Turquia, por exemplo, está mudando porque acabou a era Ataturk. O mesmo acontece com a Rússia. Acabou o Stalin e começou a reconstrução do país sobre novas bases, novas realidades. Ela agora está abrindo estradas, tem vínculos, tem companhias..

Finalmente, Vladimir Putin entendeu que, para sustentar sua obra, necessitaria de uma mídia gigantesca capaz de rivalizar-se com o aparato de comunicação do Ocidente, que a toda hora tenta deixá-lo mal com a opinião pública. Foi quando afastou os oligargas do comando dos jornais, rádio, TVs e sites da internet, e lançou o site rt.com. Como Hugo Chávez fez com a Telesur, a TV da integração latino-americana e dos emergentes de todo o mundo, Putin tem agora um instrumento hábil para dar sua própria versão dos acontecimentos e desfazer as infâmias e manipulações, além de ajudar a Telesur e outros sites nacionalistas daqueles que buscam um lugar ao sol, longe do guarda-chuva insalubre da OTAN. Trata-se do site multimídia rt.com, com 2.500 jornalistas, dos quais  correspondentes espalhados em quase 100 países.

Veja também:
Entrevista com Hermano Alves, em 2007, em Lisboa
rt.com, o site da nova Rússia
“Dane-se a União Europeia”, diz sub-secretária de Estado

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