Por FC Leite Filho
Autor de Quem tem medo de Hugo Chávez
O ex-presidente Lula da Silva, deixou hoje Bogotá rumo ao Equador, depois de encontros com o presidente Juan Manuel Santos e outras altas autoridades colombianas (o vice-presidente e o prefeito da capital), num momento em que a Colômbia se vê novamente emparedada pelos falcões de Washington. Estes exigem o isolamento (e até o ataque militar, se preciso for) da Venezuela e, com isso, frear o processo de integração latino-americana, desenvolvido pelos presidentes progressistas da região. Este processo, que implica em mais intercâmbio e comércio entre os países vizinhos, vem prejudicando as empresas norte-americanas, que antes dominavam os negócios, e a influência estadunidense. Mas tem contribuído para livrá-los das crises neoliberais da Europa e ampliar seu nível de emprego, que é hoje de cerca de 7% contra os 12% europeus.
Lula, que ainda tem uma escala no Peru e há pouco visitou a Argentina, outro grande pilar da política integracionista, está ciente da natureza dessas pressões norte-americanas, que poderão afetar inclusive o processo sucessório brasileiro de 2014. A visita da semana passada do vice-presidente Joe Biden a Brasília (ele tinha antes passado pela Colômbia), com suas exigências por “mais comércio” (leia-se mais dependência) com os Estados Unidos, não deixa dúvidas de que seu país vai jogar tudo contra a presidenta (e candidata à reeleição) Dilma Rousseff, se o governo lulista não se curvar a estes, digamos, imperativos.
Ora, tais imperativos implicariam, trocando em miúdos, retirar o apoio ao presidente chavista Nicolás Maduro, que, como seu antecessor Hugo Chávez, reagiu de pronto às provocações colombianas (recepção por Santos do líder golpista venezuelano Henrique Capriles e o anúncio de uma adesão à OTAN). Maduro, como se sabe, foi surpreendido pela decisão do presidente colombiano, sobretudo porque este havia encetado uma produtiva aproximação com os venezuelanos e demais presidentes progressistas, com saldos políticos e comerciais para o seu país (aumento do emprego e do intercâmbio comercial entre os dois países vizinhos).
Arguto observador, Lula sabe, igualmente, que essas pressões tendem a crescer na visita de Estado que Dilma fará a Washington, em outubro próximo, nos encontros diretos com o presidente Barak Obama, cercados de toda pompa e circunstância. Não se sabe se as homenagens vão incluir povo nas ruas e papel picado, como ocorreu com o presidente João Goulart, em Nova York, em 1962. Sabe-se, no entanto, do desfecho sofrido por Goulart por não dobrar-se às exigências da Casa Branca (na época, era o isolamento e a expulsão de Cuba castrista da OEA): campanha de desmoralização midiática, desestabilização do governo e deposição do presidente trabalhista pelo Golpe militar-empresarial de 1964.
É verdade que os tempos são outros e os golpes militares não andam mais em voga, mas persiste o potencial midiático e fianceiro para minar e mesmo derrubar governos, através dos chamados golpes brandos, de que são exemplos as deposições dos presidentes progressistas de Honduras (2010) e do Paraguai (2012), nos últimos três anos. Os governos progressistas, por sua vez, estão mais articulados com seus povos, os quais, beneficiados pelas políticas sociais que lhe deram mais renda, educação e inclusão, têm resistido bravamente às tentativas golpistas. Veja-se o exemplo venezuelano na derrota das assuadas de 2002 e 2003, as reeleições de Hugo Chávez e agora, do seu sucessor Nicolás Maduro, do próprio Lula e de sua candidata Dilma, dos Kirchner na Argentina e de Evo Morales, na Bolívia, de Rafael Correa, no Equador, e Daniel Ortega, na Nicarágua.
Mas, voltando ao encontro Lula-Santos, o tema, é claro, foi debatido em sigilo entre os dois estadistas, e suas conclusões ainda vão demorar a chegar ao grande público. Uma coisa, no entanto, parece certa. Lula fez ver a Santos, com sua habilidade de fino negociador, a preocupação em preservar a unidade tão duramente conseguida nestes últimos 15 anos. Ele sabe que a Colômbia está muito exposta d vulnerável às pressões da metrópole, que já fizeram outras vezes descarrilhar o trem da integração, como ocorreu com Álvaro Uribe, antecessor de Santos, e cujo excesso de servilismo levou ao rompimento das relações entre Caracas e Bogotá, em 2010.
Não se conhece (ainda) a reação de Juan Mauel Santos às ponderações de Lula, mas ele fez questão de reiterar de público, no encontro que teve com o ex-presidente durante uma apresentação no palácio presidencial, a Casa de Nariño, sua admiração pelo líder brasileiro, a quem apontou como exemplo e modelo de estadista: “Espero seguir seu exemplo e tornar a Colômbia um país mais justo”, afirmou Santos a Lula. Tudo indica, porém, que o encontro poderá jogar alguma luz sobre o inopinado gesto colombiano de, mais uma vez, atentar contra o processo de unidade regional e deverá ser objeto de uma reunião de cúpula da Unasul (Uniñao das Nações Sul Americanas), já solicitada pelo presidente da Bolívia e avalizada pela Venezuela. Só se sabe que todo o cuidado é pouco nessas ocasiões, mas que também não se pode dar o braço a torcer a esse tipo de provocação, sob pena de ver naufragar toda uma construção integracionista até aqui vitoriosa em todas as suas implicações.
Detalhes do encontro nos sites:
– Jornal El Tiempo (em espanhol)
– Colômbia, a tragédia de traição dos povos irmãos (em espanhol)