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Ahmadinejad e a política externa independente

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(Publicado originalmente em Seg, 04 de Maio de 2009 15:24)

Por FC Leite Filho

À parte à exploração política e ao feitio polêmico do presidente do Irã, a visita, ainda que adiada, de Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil remete a uma reflexão sobre nossa diplomacia. Antes, é bom ter em mente que o Brasil deixou de ser aquele país periférico de 1961, quando o presidente Jânio Quadros foi ao chão, entre outras coisas, porque condecorou Che Guevara, então ministro da Economia e pró-homem da Revolução Cubana. Jânio, como se recorda, foi quem iniciou nossa chamada política externa indepedente, em contraposição à prática até então vigente do atrelamento automático de nossa diplomacia aos interesses dos Estados Unidos.

A postura de Jânio foi seguida por seu sucessor João Goulart (1961-1963), que reatou relações com a então União Soviética, rompidas desde 1947, e recusou a expulsão de Cuba da OEA. Depois veio o golpe de 1964, que passou a seguir uma diplomacia ditada pelo Pentágono e o Departamento de Estado. Não obstante, nossa diplomacia autônoma, é, de certa forma, retomada no final do período militar (1964-1985), mais precisamente no mandato do general Ernesto Geisel (1974-1979), com o reconhecimento de Angola e outras novas nações independentes. Nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), ocorre um refluxo brutal em face dos ditames da globalização e da fúria privatizante. Já no período Lula da Silva (2003-2010), nossa política externa indepedente dá um salto, tanto qualitativo quanto quantitativo: o Brasil sai de uma atuação insignificante para a de um protagonista na cena internacional.

Aí, nossas exportações crescem 287%, 35 novas embaixadas são criadas (já somos representados em 151 dos 192 países integrantes da ONU) e nossas questões hemisféricas não são mais decididas em Washington via OEA, mas sob a égide da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), organismo com sede no hemisfério e ao qual não tem assento a superpotência do Norte. No primeiro trimestre deste ano de 2009, ocorre outro fato significativo: a China Popular torna-se nosso primeiro parceiro mundial, desbancando os americanos em quase um século.

Para chegar a este patamar, no entanto, o Brasil teve de agir em função de suas injunções e afinidades e não de pressupostos geopolíticos e econômicos da potência a que esteve e continua tradicionalmente aliado. Intensificou sua presença e agiu agressivamente na América Latina, no Oriente Médio e na Ásia, principalmente na China. Não importa se alguns dos novos parceiros fossem inimigos figadais dos americanos, como a Venezuela e o Irã, ou rivais em potencial, como a China. Alguns exemplos: só nosso comércio com a Venezuela, cresceu 587% nos últimos cinco anos. Somos hoje o terceiro maior produtor agrícola e líder no mercado de carnes, segundo a FAO e a OCDE.

Ainda incrementamos nosso relacionamento bilateral e multilateral Sul-Sul – as nações emergentes da banda meridional do globo terrestre, com reuniões sucessivas em Brasilia, Catar, Buenos Aires, Pequim, Índia e viagens presidenciais sucessivas de Lula, envolvendo várias voltas ao redor da terra (só em 2005, o caixeiro viajante, como se autointitula nosso presidente, fez 25 viagens ao exterior).

Já aqueles países que não se desatrelaram das antigas alianças pagaram um preço alto. É o caso do México, obrigado por premências, inclusive geográficas, a suportar uma ligação umbilical com o vizinho gigante (90% de suas exportações, inclusive o seu depauperado petróleo, vão para os Estados Unidos). Muito antes de ser atropelado pela gripe suína, a nobre nação azteca tinha ido à lona. A crise pegou-a no contrapé: previsão de retração econômica de 4,8%, segundo o BCM, contra 0,49% (Focus, BC) no Brasil, diminuição de 10% das remessas dos xicanos, cujo total representa quase um terço do grosso da economia, e o aumento no desemprego, 3,8% contra 1,3% no Brasil, segundo o IBGE.

É nesse contexto que se insere nossa aproximação com o Irã e a visita de seu presidente Mahmoud Ahmadnejad, que se efetivaria amanhã, seis de maio de 2009. A viagem teve de ser adiada, provavelmente em função das eleições em junho naquele país, mas seus desdobramentos ficarão por conta da comitiva presidencial de 100 pessoas, que já confirmaram seus encontros amanhã com autoridades, empresários, intelectuais, professores universitários e diplomatas brasileiros.

O Irã é o terceiro maior produtor de petróleo do mundo e detentor de um avanço tecnológico que impressionou o mundo pelos seus recentes lançamentos de mísseis de longo alcance, um satélite de fabricação própria e o desenvolvimento de técnicas, equipamentos e defensivos agrícolas, que o Brasil quer compartilhar sem a caixa-preta que nos impõem as as grandes potências. E isto para não falar de seu programa nuclear, também considerado de ponta.

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